Fonte: https://apublica.org/
Por Gabriel Máximo
Representantes da indústria do tabaco marcaram forte presença na audiência pública realizada no Senado, nesta terça-feira (21), para debater o projeto de lei (PL) que libera a produção e comercialização de cigarros eletrônicos no Brasil, atualmente proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Especialistas da área de saúde e consumidores também opinaram sobre o PL dos vapes, o 5.008/23, da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).
Entre as pessoas ouvidas na ocasião estava a ex-diretora da Anvisa Alessandra Bastos Soares, que agora atua como consultora de assuntos regulatórios e foi contratada pela BAT Brasil (British American Tobacco, ex-Souza Cruz) para pressionar a agência reguladora em que atuava com o objetivo de conseguir a liberação dos cigarros eletrônicos no país, como mostrou a Agência Pública.
Soares defendeu que a regulação dos vapes é necessária para que o Brasil fique alinhado a outros países, como os Estados Unidos, o Canadá e a União Europeia, e que a medida teria impacto na segurança dos consumidores. “Se já foi criada uma forma menos arriscada de consumir a nicotina, por que nós não vamos oportunizar aos consumidores de nicotina, que são tabagistas, que sofrem, que veem os seus familiares adoecendo, acessar produtos seguros vigiados pela mesma Anvisa que regulamentou o cigarro?”, questionou.
Um estudo da Universidade Johns Hopkins, já apresentado pela Pública, no entanto, mostra que há poucos dados sobre os riscos dos componentes químicos dos vapes. Os pesquisadores analisaram aerossóis de quatro marcas e encontraram centenas de produtos químicos não identificados e detectaram efeitos cardiovasculares de curto prazo pelo uso dos cigarros eletrônicos, como aumento da frequência cardíaca e rigidez arterial.
A audiência também contou com pessoas ligadas ao Diretório de Informações para Redução dos Danos do Tabagismo (Direta), associação pró-vape. Elas vestiam camisas azuis com frases como “Vape é 95% menos prejudicial à saúde que o tabaco” e lotaram a sala da audiência. O presidente do Direta, Alexandro Lucian, em defesa dos cigarros eletrônicos, chegou a dizer que o uso desses dispositivos “salvou” sua vida.
A Pública revelou que o Direta é parceiro da World Vapers Alliance (WVA), entidade criada pelo grupo Consumers Choice Center (CCC), voltado para o lobby e promoção de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs). A CCC foi financiada por empresas de tabaco, como a BTA, a Philip Morris e a Japan Tobacco International (JTI), mencionadas como financiadoras no site da organização.
A cardiologista Jaqueline Scholz, ouvida na audiência, refutou a ideia de que os vapes são menos prejudiciais à saúde. A especialista em tratamento de tabagismo mostrou casos de pacientes que apresentavam níveis elevados de dependência em nicotina mesmo com pouco tempo de uso dos DEFs.
O representante do Conselho Federal de Medicina (CFM), Alcindo Cerci Neto, ressaltou que o órgão é contra a liberação dos cigarros eletrônicos no Brasil e alertou que alguns impactos não estão sendo considerados na discussão. “O país ainda não está preparado para os dispositivos eletrônicos de fumar porque existe um impacto muito forte na saúde pública, nas doenças de médio e longo prazo, nos gastos do Sistema Único de Saúde. É um impacto que outros países que regularam e liberaram a venda desses produtos já estão enfrentando”, disse à Pública.
Senadores defendem regulação de vapes
A maior parte dos senadores que discursaram manifestou apoio à liberação dos vapes. “Quando as pessoas me afrontam dizendo que eu estou aqui fazendo lobby para a indústria do tabaco, de uma forma pejorativa, nas minhas costas, sabe como eu respondo? Eles [os contrários] fazem lobby para o crime organizado. E todas as portas do Congresso Nacional devem estar abertas para quem tem um CNPJ”, defendeu Thronicke.
O senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) disse que o fato de a Anvisa ter mantido a proibição dos vapes, em abril, “reforçou algo que não deu certo” e declarou que o objetivo do projeto é proteger as pessoas. Já o senador e médico Dr. Hiran (PP-RR) afirmou ser contra os cigarros eletrônicos, mas a favor de regulamentá-los. “Não adianta a gente ficar fazendo aqui esse discurso de que ‘é uma indecência’, isso não gera nada. […] As pessoas vão continuar usando, vão continuar comprando. Então eu acho que tem que realmente haver uma regulamentação adequada, proibida para crianças”, argumentou.
Os únicos senadores a defenderem a manutenção da proibição dos cigarros eletrônicos foram Zenaide Maia (PSD-RN) e Eduardo Girão (Novo-CE).
O PL 5.008/23 tramita na Comissão de Assuntos Econômicos, sob relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO). Se aprovado, ainda precisa passar pelas comissões de Assuntos Sociais e de Transparência, Fiscalização e Controle. A proposta tem caráter terminativo, ou seja, se for aprovada por todos os colegiados, vai direto para análise da Câmara dos Deputados sem a necessidade de votação no plenário do Senado.
Edição: Ed Wanderley